quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Setas Moribundas


Faz tempo que não posto por aqui. Pra falar a verdade, não deu vontade. Mas hoje li uma crônica de um amigo lá de Brasília e não resisti dividi-la com meus seguidores. Espero que gostem, pois concordo com cada palavra dele:

Crônica da Semana

SETAS MORIBUNDAS

Oh, que semana cinza. Acéfala Brasília, descortina o pior de seus entes. Contudo, antes fossem os inimigos do povo aqueles biltres escondidos em palácios.

Invisíveis aos olhos nervosos que fazem das ruas arena de sangue, aos pares, milhares desfilam diante de nós sem contudo serem notadas. E não por nossa vontade ou negligência, posto que são vivas pela vontade de seus mestres. Elas simplesmente deixaram de figurar em nosso cotidiano veloz e truculento trânsito urbano. Amarro no braço esquerdo pano negro. É luto o que sinto pela morte iminente da única peça de gentileza em toda a engenharia automobilística: a lanterna pisca.

A seta, o pisca-pisca, a lanterna, escolha um nome, é o único artifício mecânico que demonstra a capacidade humana da empatia. Este estado evoluído da consciência, capacidade de se projetar na situação de outras pessoas, tentar sentir o que elas sentiriam, é a argamassa que constrói civilizações e pavimenta os caminhos de uma sociedade do jeito que a gente sempre sonhou em construir.

Abrir portas com sorriso, pedir “por favor” e “com licença” para garçons, zeladores, porteiros e ascensoristas, que mesmo no desempenho de suas funções, ainda são cidadãos carentes de respeito como pessoa, agradecer e desejar boa tarde para a moça do supermercado têm no princípio a mesma energia despendida que mover um pequeno dedo e acionar a barra de comando da seta.

Que saudade da época em que a gente tinha orgulho de ser brasiliense e dar exemplo para todo o país com nosso trânsito civilizado e cortês. Primeiro veio a campanha pelo cinto de segurança, depois pelas faixas de pedestres e o sinal de vida que, mesmo não sendo obrigatório pelo código nacional de trânsito, se tornou uma gentileza inversa do pedestre ao motorista. Aprendemos, paulatinamente, como ser cidadãos responsáveis e elegantes. Perdemos tudo, e mais um pouco.

Vejo cada vez mais respeito de menos. E como se não bastasse a alarmante ausência das funções básicas da dirigibilidade, temos que lidar com o achincalhe da seta – flash, se me perdoam o anglicismo.

O Leitor conhece aquelas pessoas fominhas que deixam uma batatinha frita na travessa, ou meia colher de carne moída, só para dizer que não acabou com toda a comida? Pois então, existe também o motorista fominha, os seta-flash. Ele já forçou a passagem, já te deixou esperando segundos intermináveis na dúvida sobre o que ia fazer no trânsito e, no último segundo, liga a seta por duas piscadas só para não dizerem que não as ligou.

Saudade de motoristas que acionavam as setas, longe ainda das curvas, para avisar a todos de seus planos de percurso, proporcionando um fluir tranqüilo de carros e pedestres.

Luto é assim mesmo. Fica aquele gosto de outrora e um enorme vazio no peito que faz a gente sentir saudade doída.

Atenção! Estou acabando de escrever. Vou parar já já. Prepare-se. Fui.

EDUARDO SIGAUD
Publicitário e Cineasta

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